quarta-feira, 27 de maio de 2009

OS ESPAÇOS POPULARES NA POLÍTICA PÚBLICA CULTURAL.

Por Jorge Luiz Barbosa, coordenador do Observatório de Favelas

O sucesso de uma política pública para superação das desigualdades sociais, sobretudo as presentes em nossas metrópoles, só será possível quando esta abrigar uma política cultural que incorpore a diversidade da vida social dos espaços populares. Não podemos mais nos conceber cidadãos plenos quando vivemos divididos em lugares de supremacia cultural e lugares subalternizados, simplesmente porque estes últimos não trazem um legado cultural hegemônico ou representam uma contracorrente ao mercado criado pela indústria cultural.
Cada grupo social é portador de signos de referência e códigos sociais inseridos em determinados territórios. Podemos dizer, então, que o território é um espaço/tempo demarcado por intencionalidades humanas, cujas identidades possuem fluxos de correspondência e intensidades plurais, principalmente no tocante a afirmação individual e de grupos na sociedade urbana.
A cultura é sempre diversa, dinâmica e plural. Multiplicam-se pela cidade os signos impressos nas falas, nos gestos, nas roupas, na música, na dança. Eles reportam as moradas dos grupos sociais e, conseqüentemente, a condição de cada um na sociedade.
Porém, isso tem significado, em larga medida, posições de privilégio ou não na escala de valores e práticas hegemônicas no espaço metropolitano. Resulta desse processo sitiamentos de territórios que, por sua vez, reduzem e / ou confinam as possibilidades trocas simbólicas e culturais. Romper com essa redução sociocultural dos territórios da cidade significa o reconhecimento da legitimidade da presença do Outro, da sua atividade criativa e do direito de manifestar as suas leituras do mundo.
Valorizar e mobilizar a diversidade de manifestações culturais e artísticas dos moradores dos espaços populares é um ato primordial de construção de uma sociabilidade urbana renovada. Vislumbra-se, como efeito, a ampliação da circularidade de imaginários, de obras, de bens e práticas culturais na cidade sob o primado da comunicação entre próximos e distantes. Afinal, a cultura se torna mais rica quando expandimos as nossas trocas de imaginários, de saberes, de fazeres e convivências.
Essa proposta nos remete a superação das desigualdades sociais, pois estas não dizem respeito exclusivamente aos aspectos econômicos: distribuição de renda, desemprego, consumo. Elas estão expressas em outras condições de existência social: na escolarização, na habitação, na saúde e no acesso aos bens e equipamentos culturais.
A distribuição espacial de equipamentos e bens culturais em nossas metrópoles é um retrato perverso das desigualdades sociais. Há uma forte concentração de teatros, cinemas e espaços culturais nas áreas centrais nos bairros típicos de classes médias. Entretanto, em nossas favelas e periferias os investimentos públicos de porte no âmbito da arte e da cultura são de pequena importância, precários ou inexistentes. Em contrapartida, desses espaços populares que emergem diferentes subjetividades como forma / conteúdo de linguagens inovadoras, geralmente desconsideradas e desvalorizadas no campo das concepções ainda hegemônicas de arte e cultura.
Retomando ao tema da inflexão territorial das políticas públicas, não é mais possível aceitar a concentração desmedida na distribuição de bens e equipamentos culturais, especialmente os criados pelo poder público. Então, é urgente e inadiável investimentos diretos nos espaços populares. Tais investimentos seriam de extrema importância em termos educacionais, artísticos e, inclusive no tocante a segurança pública, pois podem significar transformações nas condições de existência não só nas favelas, como também dos demais bairros vizinhos.
É preciso reconhecer que a metrópole é produto da diversidade da vida social, cultural e pessoal. Isto significa dizer que a cidade deve ser pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e não como um espaço de desigualdades. Mudar a metrópole é agir no seu cotidiano. È romper com a banalização do consumo como paradigma de civilidade. È superar os pré-conceitos, estigmas e reducionismos que classificam as favelas e seus habitantes como entes e seres fora da Polis.

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