sexta-feira, 12 de março de 2010

Cotas Racias nas Universidades!!!

Nunca tive dúvidas de que as sociedades evoluem com os governos, sem os governos, apesar dos governos ou mesmo contra os governos. Se o poder de turno estiver antenado com as aspirações nacionais, se tiver sensibilidade social e conseguir captar nos mínimos detalhes a mudança dos tempos, a virada dos ventos, a evolução do homem, a transformação das coisas, tanto melhor.
Na histórica fábula, o galo de Chantecler acreditava que o sol nascia somente depois que ele cantava. Até o dia em que ele, mudo, assistiu o mais belo alvorecer. O governo Lula instituiu a política de cotas raciais nas universidades brasileiras não só como resposta à uma exigência da evolução da sociedade, mas como reparação de injustiça histórica com nossos irmãos afrodescendentes e indígenas, por ter sensibilidade humana e social e por saber que seu sucesso vem da identidade que tem mantido com toda as camadas da sociedade brasileira.

Não só respeito como defendo o direito dos que não concordam com a política de cotas. Defendo de forma veemente o direito que cada cidadã ou cidadão tem de discordar de uma medida do governo do presidente Lula. Mas, com absoluta sinceridade, nesse caso, mesmo defendendo tal faculdade, tenho imensa dificuldade em compreender como se pode negar a quem tanto já sofreu – e ainda sofre, pois não? – tantas e odiosas formas de discriminação, o direito de ter acesso ao ensino superior e de ascender socialmente.
Não creio que seja uma forma de racismo discordar das cotas. Não chego a tanto. Sempre, até por minha formação democrática e socialista, aprendi a conviver fraternalmente com os opostos e estabelecer amizades duradouras e verdadeiras com pessoas que não pensam como eu. A intolerância, com a graça de Deus, não é o meu forte. E é por isso mesmo que defendo as cotas raciais e vejo nelas a possibilidade de reparar injustiças e relegar ao passado o debate em torno de uma questão espinhosa e nada grata a um país que demorou séculos para livrar-se da nódoa repulsiva da escravidão.

O Brasil tem uma dívida imensa com seus negros, seus indígenas, seus idosos, seus deficientes físicos. Por qual motivo não se podem reparar injustiças em relação a esses irmão que não foram senão discriminados? Que tiveram seus direitos negados parcialmente ou em sua totalidade ao longo de séculos? Por motivo nenhum!
A Universidade de Brasília (UnB), através a palavra de sua reitoria em recente audiência pública, mostrou que em 2001 apenas 2% de seus alunos eram negros. Hoje são 12,5%! E o desempenho da quase totalidade desses brasileiros afrodescendentes que chegaram à universidade através da política de cotas raciais empreendida pelo governo Lula é invejável! São estudantes que aproveitaram a possibilidade de estudo universitário com extraordinária seriedade e notório afinco. A vida universitária deles é o coroamento de uma atitude corajosa e necessária que somente um governo com raízes populares e sensibilidade social poderia ter tomado.

Em 60 universidades públicas brasileiras o sistema de cotas foi adotado de forma democrática, respeitando a autonomia de cada instituição, e com grande aceitação pela comunidade acadêmica. O Ministro Edson Santos, que desenvolve excepcional trabalho na pasta da Igualdade Racial, sempre relembra que não estão em jogo apenas as cotas para negros, mas as ações afirmativas do governo Lula em favor das mulheres, dos deficientes físicos e de outros segmentos sociais. Há mais em jogo: há futuro, igualdade, democracia e possibilidades.
Os Estados Unidos, a mais importante potência mundial, celebrou a eleição de Barack Obama para a Casa Branca por vários fatores: sua honradez pessoal, sua passagem brilhante pelo Senado norte-americano, as idéias inovadoras que defendeu na campanha que sacudiu o país, sua juventude e equilíbrio. Mas sua negritude foi elevada à condição de marco histórico e verdadeira revolução nos costumes políticos e sociais de um país que ainda luta contra resquícios de uma chaga que causou até mesmo uma guera civil do norte rico, progressista e anti-racista contra o sul atrasado e escravagista.
Se os norte-americanos entenderam que a eleição de um jovem negro para a Casa Branca, além de todos os seus méritos, simbolizava um basta ao racismo, então defendamos a política de cotas raciais nas universidades brasileiras como um marco na emancipação de uma imensa parcela do povo brasileiro, a de nossos compatriotas negros. Não sejamos hipócritas e sigamos o belo exemplo do povo norte-americano: o racismo se combate com atitudes concretas e com exemplos simbólicos.

Muito se dizia da democracia racial e da mistura de raças que forma esse país fascinante em que tivemos a graça divina de nascer. Mas existia um elevado grau de racismo que se manifestava de forma discreta mas efetiva, e na pior de suas formas: a segregação social. Eu mesmo creio que, hoje já não seja em grau tão elevado quanto foi no passado. A própria sociedade brasileira, em sua evolução segura rumo ao futuro de grandeza que a espera, se encarregou de eliminar muitos dos terríveis preconceitos que penalizaram esses segmentos sociais e nos envergonharam a todos. Mas, lamentavelmente, muita coisa ainda persiste e não vamos fechar os olhos para essa realidade.
Nélson Mandela pacificou a Africa do Sul quando, depois de décadas no cárcere, adentrou o estádio lotado para cumprimentar a seleção sul-africana de rúgbi, que vencia importante campeonato. Todos os atletas eram brancos, quase todos os que enchiam as arquibancadas eram brancos, mas o esporte era a paixão de todos em seu país. Em segundos, Mandela era ovacionado, era o verdadeiro campeão. Uniu seu país com o gesto generoso, com a grandeza de sua alma, com a dignidade de Estadista. Assisti o belíssimo filme “Invictus”, ao lado de Monica, minha mulher, onde o fabuloso Morgan Freeman interpreta Mandela e nos revela essa linda página da história do povo sul-africano. Recordei-me de nossos irmãos negros brasileiros e da generosidade que deve presidir as relações entre todos nós, qual seja a raça, pois nossa cor é uma só: a cor do Brasil, a cor do futuro.

(*) Delúbio Soares é professor

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